Figura 1. Flor da planta fêmea de lúpulo plantada na
sede da Sinnatrah em São Paulo, Capital
O lúpulo é uma planta trepadeira perene que pode viver por até 30 anos e
que foi utilizada como ingrediente de amargor na cerveja com registros que datam
do ano 1400, tanto na Alemanha como na Holanda.
“As escamas”,
que podem ser observadas na flor em destaque na Figura 1 “estão repletas com
glândulas esféricas resinosas, que são facilmente removidas por fricção, e têm
um odor forte e agradável e gosto amargo; estas esferas parecem consistir de um
ácido, óleo etéreo, uma resina aromática, cera, (...) e um princípio amargo
chamado lupulina. Sob pressão, as cabeças de lúpulo produzem um óleo verde,
leve e acre, chamado óleo de lúpulo.” [1]
A química do lúpulo é
amplamente conhecida e registrada na literatura técnica, e é composta pelos
seguintes componentes [2]:
o
Alfa-ácidos;
§ Humulona: sabor/aroma
elegante. Alto em lúpulos nobres. Degradação da substância deixa a cerveja
picante
§ Cohumulona:
responsável pelo harshness. Alto em lúpulos americanos, menor em lúpulos
nobres
§ Adhumulona
o
Beta-ácidos;
§ Lupulona
§ Colupulona
§ Adlupulona
o
Hidrocarbonetos
o
Terpenoides
o
Terpenos
§ Mirceno: pungente,
ofensivo. Lúpulos nobres tem baixo teor de mirceno. Degrada rápido
§ Farnesene: bem alto
em lúpulos nobres. Baixo no geral
§ Cariofileno: sabor
picante, baixo nos lúpulos nobres
- Polifenóis:
sabor adstringente, complexam-se com proteínas ajudando na estabilidade
coloidal, produzem estabilidade da espuma;
o
Xantohumol: possui propriedades
anticancerígenas e estudos em andamento para o combate ao HIV-1, ao mal de
Alzheimer e ao mal de Parkinson
- Óleo
e ácidos graxos;
- Cera
e esteroides;
- Proteínas;
- Celulose;
- Água;
- Clorofila;
- Pectina;
- Sais
(cinzas).
É bem sabido que o
lúpulo influencia na composição do aroma e do sabor das cervejas, equilibrando
o dulçor do malte com seu amargor (quanto maior for a razão entre
alfa/beta-ácidos no lúpulo, mais agressivo será o amargor. Os lúpulos nobres
possuem razão alfa/beta menor que os demais); mas poucos sabem a respeito de outras
funções do ingrediente: o lúpulo possui função tensoativa e auxilia na
estabilidade coloidal da espuma, atua como agente antimicrobiano (as resinas
alfa e beta-ácidos são bacteriostáticas), a presença de polifenóis,
antioxidantes naturais, protege a cerveja de envelhecimento por oxidação e é responsável
pela proteção da formação de complexos proteína/tanino, composto de grandes dimensões
que turvam e tiram o brilho da cerveja.
Os compostos iso-alfa-ácidos
são as substâncias de interesse cervejeiro como agentes de amargor, porém, não
são encontrados na forma livre na flor do lúpulo. A principal forma de obtenção
é a isomerização dos alfa-ácidos durante a fervura do mosto. Os principais
alfa-ácidos e seus iso-alfa-ácidos correspondentes estão descritos na Figura 2.
Alguns dos principais
fenômenos físico-químicos que influenciam na isomerização dos alfa-ácidos dos lúpulos
são:
- Temperatura:
a reação de isomerização dos alfa-ácidos do lúpulo acontece a partir dos 80ºC,
e é acelerada conforme a temperatura aumenta. Por isso manter um fervura
intensa, próxima dos 100ºC, acelera o processo de isomerização;
- Tempo
de Fervura: quanto maior o tempo de fervura, mais compostos serão isomerizados,
tendo como limite 60 minutos. Os 10 minutos iniciais da fervura geralmente são
usados para a coagulação das proteínas, por este motivo é melhor adicionar o lúpulo
de amargor após este tempo;
- pH
do mosto: a faixa de pH entre 5,1 e 5,3 confere amargor de melhor qualidade,
com menor adstringência;
- Forma
do Lúpulo: pode ser utilizado em extrato, pellets ou flor.
Figura 2. Estruturas químicas dos metabólitos
secundários de lúpulo mais abundantes e os iso-α-ácidos
Os alfa-ácidos do
lúpulo são praticamente insolúveis em água, mas os iso-alfa-ácidos não. Quanto
maior o grau de solubilidade de tais compostos, maior será a estabilidade do amargor
ao longo do shelf life da cerveja.
Figura 3. Reação de isomerização da isohumulona
Embora as diversas qualidades
de lúpulos sejam polivalentes no sentido de conferir amargor, aroma e sabor,
alguns são mais indicados que outros para cada tipo de função. Para entender as
diferenças básicas entre eles é necessário lembrar-se dos componentes dos
lúpulos supracitados [2].
Lúpulos usados para
conferir amargor geralmente possuem maior concentração de alfa-ácidos e menor
quantidade de óleos essenciais. São adicionados no início da fervura e é
indicado que, ainda que a fervura ultrapasse este tempo, sejam fervidos por 60
minutos, tempo máximo de isomerização dos alfa-ácidos. Tempo de fervura maior
que 60 minutos para isomerizar estes compostos resulta em nada mais que gasto
desnecessário de energia, dado que a conversão de isômeros a partir de 60 minutos
é muito baixa. O limite máximo, ou ponto de saturação, de amargor que uma cerveja
pode obter é 120 IBU (International Bitterness Unit, o IBU, chamado de
Unidade de Amargor, ou UA, em português, é a escala internacional de amargor de
uma cerveja). Após este ponto não há mais isomerização/solubilização de iso-alfa
ácidos. Um exemplo de lúpulo muito utilizado para conferir amargor é o Magnum,
um lúpulo mais barato e menos nobre que os utilizados para conferir aroma e
sabor.
Os lúpulos usados com
a finalidade de conferir aroma e sabor, no entanto, são ricos em óleos
essenciais e geralmente possuem menor teor de alfa ácidos. Os óleos essenciais
são substâncias extremamente voláteis e é por este motivo que lúpulos ricos
nesta substância são adicionados à fervura já muito próximo do final, sendo recomendado
que sejam adicionados a partir de 15 minutos antes de se desligar o fogo. As
variáveis para escolha dos lúpulos utilizados para conferir aroma e sabor
variam de acordo com a região, com o estilo planejado, com o grist de grãos
escolhido, com a preferência do público consumidor, mas é fato que existem “lúpulos
da moda”. Alguns exemplos de lúpulos que estão em alta (pelo menos quando
escrevo este texto) são o Citra, o Mosaic e o Nelson Sauvin.
As técnicas
conhecidas e difundidas de utilização do lúpulo na fervura são:
- First
Wort Hopping: técnica muito apreciada pela Cervejaria Adorea, o FWH é uma
técnica de adição dos lúpulos antes da fervura, na transferência do mosto
clarificado para a tina de fervura. É uma técnica que, por formar ligações
glicosídicas entre os óleos essenciais e os açúcares presentes no mosto, fazem
com que estes não sejam volatilizados durante a fervura, reforçando o sabor e o
aroma do lúpulo ao final da fervura;
- Full
Boil: é a técnica de adição do lúpulo de amargor a 60 minutos, isomerizando a
maior quantidade possível de alfa-ácidos presentes no lúpulo;
- Late
hopping: é a técnica de adição do lúpulo ao final da fervura, a partir de 15
minutos, para conferir maior aroma e sabor;
- Whirpool/Stand
Hopping (<85°C): maior extração de aroma e sabor e menor utilização das
resinas ácidas (cerca de 10%);
- Dry-hopping
(entre 10-20°C por 48 horas): extração máxima de aroma. Para maior extração de
aroma, o dry-hopping deve ser renovado a cada 48h, extraindo-se o lúpulo
adicionado e colocando lúpulo novo.
As principais formas
de comercialização dos lúpulos são:
- Flor:
lúpulo in natura, muito utilizado em fábricas de cerveja que fiquem
próximas às plantações. Por não possuir nenhum tipo de tratamento, são mais suscetíveis
à degradação, principalmente por oxidação. Entre setembro e outubro na Alemanha
são fabricadas as fresh hop ales, cervejas que são fabricadas horas após
a colheita das flores de lúpulo;
- Pellets:
atualmente é a forma mais utilizada no mercado cervejeiro dado a facilidade e a
segurança no armazenamento. O lúpulo é moído e o pó é prensado, formando
pellets, no processo as glândulas de lupulinas são rompidas gerando duas
consequências: uma utilização superior de 10% a 15% nos pellets em relação à
flor e uma oxidação mais rápida. Os pellets podem se dividir em 90, 45 e 30 e 30
Cryo-Hops.
o
90:
contém 90% dos componentes não resinosos encontrados nos lúpulos em flor.
Este é o tipo
mais comum e possui a composição dos óleos e alfa-ácidos semelhantes aos das
flores;
o
45:
é enriquecido com lupulina e moído a -30ºC, reduzindo a aderência da resina e
separando a lupulina da matéria fibrosa vegetal indesejada. São produzidos mais
frequentemente a partir de lúpulos de aroma e com baixo alfa-ácido. A vantagem é
que utiliza-se uma menor quantidade em relação ao pellet 90 para atingir o
mesmo grau de sabor e aroma;
o
30:
segue a mesma lógica dos demais, tendo ainda menor concentração de substâncias indesejadas
na composição;
o
30
Cryo-Hops: segue a mesma lógica que os demais, apenas possuindo lupulina e
óleos essenciais altamente concentrados.
- Extrato de lúpulo: é o lúpulo na forma líquida.
É obtido a partir da utilização de um solvente, geralmente CO2
líquido. Possui vantagens como redução do custo de transporte e armazenamento e
maior uniformidade e estabilidade das suas características.
- Óleos
essenciais: utilizados para controlar a formação de espuma na panela de fervura
e aumentar a quantidade de óleos essenciais (aroma e sabor) no mosto.
Após beneficiamento e
secagem, a umidade do lúpulo deve cair para 10%.
A cerveja é
geralmente engarrafada em vasilhames escuros, de cor âmbar, principalmente para
protege-la da ação da luz. O iso-alfa-ácido isohumulona presente na cerveja,
quando em contato com radiação ultra-violeta ou luz visível, está sujeito a uma
reação chamada lightstruck. Esta reação gera uma substância sulfurada,
considerada um off-flavor, chamada 3-Metil-2-buteno-1-tiol (3-MBT,
Figura 4) que possui um limiar de percepção sensorial muito baixo, sendo
perceptível mesmo em concentrações muito baixas (tecnicamente o sensorial treshold
deste off-flavor é de 4ppt). A principal forma de se evitar este tipo de
reação, conforme já adiantado, é acondicionar o líquido em recipientes protegidos
da luz. Em casos aonde os vasilhames sejam transparentes (verdes ou incolores),
a forma de se evitar o lightstruck é a utilização do tetrahop, uma
isohumulona hidrogenada estável a luz. Um efeito colateral positivo do tetrahop
é conferir maior estabilidade a espuma.
Figura 4. Representação gráfica da molécula de 3-MBT
Figura 5. Reação de irradiação da isohumulona e a
formação de 3-MBT
Esperamos que este
artigo sirva como guia para a utilização de lúpulos em suas receitas. A química
dos lúpulos está em constante evolução e a cada ano se sabe mais a respeito do
ingrediente. Muitos testes vem sendo feitos com relação aos terpenos para criar
aromas cada vez mais complexos e agradáveis. Além disso, a pesquisa do lúpulo está
dando passos promissores e importantes no combate ao câncer, ao HIV-1 e a
síndromes cerebrais e motoras. Estamos de olho e a cada novo avanço, falaremos
a respeito!
Enquanto isso, boa brassagem
a todos!
E não se esqueçam:
O PUNK NÃO MORREU!
Referências
Bibliográficas
[1] Simmonds, P. L. (1877). Hops: their cultivation, commerce, and uses
in various countries. A manual of reference for the grower, dealer and brewer. E.
& F. N. Spon. New York: 446, Broome Street.
[2] Verzele, M. (1986). Centenary Review: 100 years of hop chemistry and
its relevance to brewing. J. Inst. Brew. January-February, Vol. 92, pp.
32-48
[3] Schönberger, C., Kostelecky, T. (2011). 125th Anniversary Review:
The Role of Hops in Brewing. J. Inst. Brew. 117(3), 259-267.
[4] Killeen, D. P., Watkins, O. C., Sansom, C. E., Andersen, D. H., Gordona,
K. C., Perry, N. B. (2017). Fast Sampling, Analyses and Chemometrics for Plant
Breeding: Bitter Acids, Xanthohumol and Terpenes in Lupulin Glands of Hops (Humulus
lupulus). Phytochem. Anal. 28, 50–57. DOI 10.1002/pca.2642